Por que entidades espíritas querem atuar em ação sobre aborto no STF
Organizações espíritas querem ser “amigos da Corte” na ação sobre assistolia fetal em abortos legais para “defender o direito à vida”
atualizado
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A Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas (Abrame) e a Federação Espírita Brasileira (FEB) entraram, no início de junho, com pedidos no Supremo Tribunal Federal (STF) para atuar como “amigos da Corte” na ação sobre a validade da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) dificulta o aborto em vítimas de estupro.
“Amigos da Corte”, no tribunal, são entidades podem atuar na ação como interessadas, subsidiando o colegiado com informações relevantes ao caso, mas sem estar diretamente envolvidas na disputa como parte do processo.
A intenção, segundo representantes das entidades ouvidos pela coluna, é auxiliar os ministros do tribunal com informações que ajudem no objetivo de “proteção à vida” e ampliar o debate travado no processo.
A resolução do CFM, suspensa por decisão provisória do ministro Alexandre de Moraes ainda em 2024, proíbe que médicos realizem a assistolia fetal — uma prática médica que interrompe os batimentos cardíacos do feto — após 22 semanas de gestação, quando houver “probabilidade de sobrevida do feto”.
O procedimento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para interrupção de gestações com mais de 20 semanas.
Noeval Quadros, presidente da Abrame, defende a resolução, afirmando que após 22 semanas de gestação, o feto já poderia ser mantido vivo fora do útero. Para ele, a assistolia não repararia os danos às mulheres vítimas de violência sexual e defende, como opção, a entrega para a adoção.
“A mulher tem todo o direito de sofrer a reparação, pode acontecer o aborto por estupro em qualquer idade gestacional, porém, a partir de uma determinada altura da gravidez, os médicos podem, se for o caso, preservar a vida do nascituro para entrega em adoção”, afirmou à coluna.
Segundo Noeval, o objetivo do pedido é oferecer subsídios de diversas frentes do conhecimento aos ministros da Corte. “Nós queríamos trazer elementos jurídicos, científicos e doutrinários a respeito desse assunto, desse tema, que é um tema candente e em discussão”, afirmou.
Para ele, depois de 22 semanas de gestação, o procedimento já poderia ser considerado uma antecipação do parto e diz que “se a criança tem possibilidade de vida, por que a necessidade da assistolia? Por que a necessidade da morte do feto? É isso que nós da Abrame entendemos que não está correto.”
Da mesma forma, a FEB também pleiteia uma atuação como “amigo da Corte” no processo.
Embora não haja um consenso científico acerca do tema, a federação, representada pelo vice-presidente da Área de Divulgação Doutrinária, Geraldo Campetti, diz que entende o início da vida a partir do momento da concepção e, portanto, a organização se posiciona de forma contrária à prática do aborto.
A intenção, como atuante no processo, é construir um “espaço de diálogo” com a participação de espíritas vinculados às áreas especializadas — médica e jurídica —, que pretendem apresentar subsídios sob o ponto de vista dessas abordagens ao STF.

Aborto legal
Apesar de posicionamentos contrários à interrupção da gravidez ecoados por diversas alas da sociedade, o aborto no Brasil é legal em três hipóteses: quando há risco para as gestantes, fetos com anencefalia e em casos de gravidez decorrente de estupro -justamente o que está sendo discutido no Supremo.
A ação questionando a constitucionalidade da norma do CFM foi ajuizada pelo Psol em abril de 2024, alegando que ela restringe a liberdade científica e o livre exercício profissional médico, impactando o direito ao aborto legal de vítimas de estupro, “porque proíbe um cuidado de saúde crucial para o aborto”.
O partido também defende que o procedimento, barrado pela resolução, é respaldado por evidências científicas de que garante uma “atenção de qualidade nos cuidados em aborto, garantindo um tratamento mais seguro para meninas, mulheres e pessoas”.
Em abril de 2024, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), entidade citada pelo Psol na petição inicial do processo, divulgou uma nota criticando a resolução, dizendo que a norma limitaria o tempo gestacional para o aborto no Brasil, o que não “encontra respaldo na legislação atual”.
O texto, segundo a entidade de classe, “não atende ao propósito alegado de ‘proteção à vida’. Ao contrário, amplia vulnerabilidades já existentes e expõe justamente as mulheres mais carentes e mais necessitadas do apoio e da assistência médica”, afirma a nota
Outro argumento levantado pelo Psol é que o CFM teria restringidos o direito ao aborto legal por meio de resolução, o que seria vedado.
“Isso significa que graves restrições a direitos constitucionalmente previstos são reservadas a lei em sentido estrito, não podendo ocorrer por meio de atos normativos secundários, como Resolução emanada pelo Conselho Federal de Medicina”, diz a petição inicial do partido.
Ao acatar um dos pedidos do Psol e suspender a resolução até o fim do julgamento do caso, Moraes, que relata o caso, afirmou que existiam indícios de “abuso do poder regulamentar” por parte do CFM, dizendo que a entidade “se distancia de standards científicos compartilhados pela comunidade internacional”.
“Nessa última hipótese [aborto por estupro], portanto, para além da realização do procedimento por médico e do consentimento da vítima, o ordenamento penal não estabelece expressamente quaisquer limitações circunstanciais, procedimentais ou temporais para a realização do chamado aborto legal, cuja juridicidade, presentes tais pressupostos, e em linha de princípio, estará plenamente sancionada”, afirmou o ministro.
Noeval, da Abrame, rebate dizendo que, da mesma forma que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teria o direito de regular a atuação dos advogados, o CFM também poderia fazer o mesmo em relação aos médicos.
Ele, contudo, reitera que a defesa da associação não é contra o aborto previsto em lei, mas apenas defende o direito do feto à preservação de sua vida: “Não somos contra o aborto por estupro, não somos nada contra o que diz a lei, absolutamente nada”, afirma.
Próximos os no STF
Constam como “amigos da Corte” na ação mais de uma dezena de instituições, dentre elas a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), o Instituto de Defesa da Vida e da Família, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a Frente Parlamentar Mista Contra Aborto e em Defesa da Vida, o Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp), e outras.
Para que as duas entidades entre nesse rol, é necessário haver a autorização por parte do relator, o ministro Alexandre de Moraes. No entanto, Noeval afirma que, caso a Abrame seja aceita, pretende marcar audiências com os ministros da Corte para expor os argumentos da associação.
Da mesma forma, a FEB afirma que pretende ampliar o diálogo sobre o tema e defende que o debate amplo sobre temas de interesse social sejam feitos com a participação de diversos pontos de vista.
“Pelo princípio da democracia participativa, as soluções para as questões complexas, em nossa sociedade, são subsidiadas a partir da pluralidade de pontos de vista, a fim de chegar a reflexões e resoluções que am a ser integradas à vivência de todos”, disse.