“Assisti vídeo do meu filho 69 vezes”, diz mãe de médico morto por PMs
Mãe de estudante de medicina morto por PM na Vila Mariana, zona sul de SP, cobra justiça e quer denunciar violência policial na ONU
atualizado
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A morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, com um tiro à queima roupa disparado por um policial militar dentro de um hotel na Vila Mariana, zona sul da capital paulista, em novembro de 2024, foi um dos pontos de partida para que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) fizesse, pela primeira vez, um mea culpa sobre a violência policial em São Paulo, no fim do ano.
Marco Aurélio foi um dos 246 mortos por intervenção policial na capital paulista em 2024, um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Reportagem especial publicada pelo Metrópoles nessa terça-feira (10/6) mostra a PM matou 85 pessoas sem arma de fogo e 47 com tiros pelas costas.
Uma dessas vítimas foi o estudante de medicina. As cenas das câmeras corporais dos PMs matando um jovem desarmado na Vila Mariana, bairro de classe média da zona sul paulistana, viralizaram e desgastaram a imagem do governo. Mais de seis meses depois, porém, a família não vê nenhuma atitude do governo – nem para se desculpar nem para fazer justiça sobre o caso.
Neste mês, a Polícia Militar autorizou os agentes que atuaram no caso a voltarem às ruas. Os familiares do rapaz participaram de um evento na Câmara Municipal em que havia uma faixa chamando o governo de “assassino” – a imagem chegou a ser postada pelo perfil oficial da Casa, mas foi apagada após a reclamação de uma vereadora bolsonarista.
Denúncia na ONU
A mãe de Marco Aurélio, a médica Silvia Mônica Cárdenas Prado (foto em destaque), de 56 anos, promete que não vai parar. Ela tem se reunido com outras mães de vítimas da PM paulista e pretende denunciar a violência policial da gestão Tarcísio na Organização das Nações Unidas (ONU). Enquanto luta por justiça, a família de Marco Aurélio tenta se recuperar do trauma.
“Eu vi 69 vezes o vídeo em que a Polícia Militar mata meu filho”, diz a médica, que pediu para interromper a gravação em seguida porque não queria ser vista chorando.
“Olha como a vida é, eu sou especialista em dor. Eu observo quando [o PM] Bruno Prado dá um chute, com todos os 80 e tantos quilos que esse ser vivo tem, na barriga de meu filho, que dor que ele deve ter sentido? Quando vejo esse filme, observo o despreparo da Polícia Militar. Eu observo quando a PM dispara e penso: ‘Meu Deus, o que está acontecendo no mundo?’”.
Na noite de 20 de novembro, o estudante voltava de uma festa com amigos da universidade quando encontrou uma viatura da PM pela frente. O rapaz, desde jovem, era bastante engajado e chegou até a fazer um trabalho no ensino médio alertando para a violência policial. Naquele dia, quando ou pelo carro, bateu a mão no retrovisor da viatura e saiu correndo.
Imediatamente, os policiais saíram no encalço do estudante, que fugiu para o hotel onde estava hospedado. Câmeras do estabelecimento registraram Marco Aurélio correndo sem camisa escada acima. Um policial aparece em seguida, e puxa o jovem pelo braço, com a arma em punho. O jovem consegue se desvencilhar, quando outro policial, o soldado Bruno Carvalho do Prado, aparece e lhe dá um chute. O jovem segura o pé do PM, que se desequilibra e cai para trás. Nesse momento, o parceiro dele aperta o gatilho e acerta um tiro.
“Filho de ninguém”
Silvia itiu à reportagem que não tinha conhecimento da questão da violência policial, morando em um bairro de classe média da capital paulista.
“Eu vivia na Vila Mariana, em um bairro nobre, e nunca imaginei que pudesse estar tão próxima do perigo. Nunca imaginei que a Polícia Militar de São Paulo pudesse ser tão truculenta e assassina. Isso me fez estudar política brasileira, me envolver com grupos de mães que perderam filhos. Percebi que a maioria dos jovens mortos são pessoas de até 23 anos, especialmente entre 19 e 20 anos. Foi um choque para mim”, conta.
Peruana, ela afirma acreditar que a aparência de imigrante do filho pode ter influenciado no modo como a PM o abordou. “Meu filho Marco Aurélio, esse dia que ele foi morto, estava de short, de chinelo, eles devem ter pensado de forma xenofóbica que ele era um filho de ninguém. Tanto que a menina que estava com o meu filho me confirmou isso. Porque ela perguntou, você conhece este… não quero falar a palavra que ela utilizou. E ela falou, sim, ele é estudante de medicina, os pais moram a dois quarteirões. E o policial falou: ‘ai, que merda’”, diz a mãe do estudante.
A família está há 29 anos no Brasil. Dos três filhos de Silvia, dois deles, incluindo Marco Aurélio, já nasceram no Brasil. Filho de pais médicos, o rapaz se formaria em novembro deste ano.
O que diz a PM
A Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que “não tolera desvios de conduta” e que, “como demonstração desse compromisso, desde o início da atual gestão, 463 policiais militares foram presos e 318 demitidos ou expulsos”.
Segundo a corporação, todas as mortes por policiais são investigadas com acompanhamento da Corregedoria e do Ministério Público. Além disso, o comunicado afirma que em todos os casos são instauradas comissões para identificar “não-conformidades”.
“A atual gestão investe em formação contínua do efetivo, capacitações práticas e teóricas, e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular, com o objetivo de mitigar a letalidade policial”, diz a nota.